segunda-feira, 3 de março de 2008

Agora estou sem tempo... volto assim que puder (talvez dentro de 2 semanas)!
Obrigada pela paciência

sábado, 26 de janeiro de 2008

Part I

Alice era uma mulher livre quando o conheceu. Caracter ligeiramente rebelde, personalidade forte, espírito sagaz e uns olhos com brilho de sonhos por alcançar.

Entrou no bar com pretensões a Irish Pub, para um café com natas. Sentou-se só, acompanhada apenas pelo livro que andava a ler e um maço de cigarros silk cut.

Não estava sentada há mais de dois minutos quando o olhar dele a prendeu. Um olhar profundo e simultaneamente bem-humorado, um sorriso malandro e ligeiramente convencido, ao jeito loverboy.

Alice gostava de se meter com homens assim. Sabia-o desinibido e perspicaz, mas mais inseguro do que aparentava. Já ela passava a imagem contrária. Era assim que ela gostava do jogo. Era a promessa de uma hora bem passada, em que algo para além do livro a divertiria, mesmo que não passasse de uma troca de olhares. Era a imaginação que estimulava o seu divertimento.

Sorriu-lhe timidamente como forma de encorajamento. Ele não precisou de mais. Aproximou-se e sentou-se. Ela fingiu continuar a ler. Ele percebeu o jogo e decidiu brincar também. Levantou-se, meteu uma moeda na velha jukebox, escolheu a mais clássica canção de engate disponível e voltou a sentar-se junto dela sorrindo-lhe, enquanto ela tentava passar uma imagem constrangida e envergonhada, e ao mesmo tempo lhe lançava um olhar desafiador como quem diz: "Não chega. O que é que vais fazer a seguir? Desistes já?".

Ele soltou uma breve gargalhada de prazer e tirou um silk cut do maço dela. Bebeu o seu café sempre com um leve sorriso nos lábios, enquanto ela começava a ficar verdadeiramente constrangida. Talvez ele não fosse tão inseguro quanto julgara. Começou a ansiar a hora da retirada do cavalheiro, mas ele parecia não ter pressa. Leu o jornal sempre de olho nela e fumou outro cigarro.

Alice estava estupefacta com a capacidade dele de se manter em silêncio e aparentemente calmo na presença dela como se a conhecesse desde sempre. Por fim, ele agarrou numa esferográfica e escreveu num guardanapo: "Amanhã à mesma hora. Adorei". Levantou-se, pagou a conta, piscou-lhe o olho do balcão e saiu.


Um sorriso voltou a aflorar os lábios dela assim que ele saiu. Provavelmente ainda estaria a vê-la através da montra. Pensou em não se encontrar mais com ele. Pensou em nunca mais voltar àquele lugar. Mas um misto de curiosidade e adrenalina obrigaram-na a voltar no dia seguinte.


Entrou afogueada e corada pelo vento frio que se fazia sentir. Ele levantou-se, puxou-lhe uma cadeira e fez sinal ao empregado para que viesse atendê-la. Ela tinha decidido deixar-se levar e observá-lo melhor, disfrutando das suas atenções para com ela. Incrivelmente, ele não parecia ter um plano melhor do que o do dia anterior. Sem falar, leu o jornal e olhava até muito pouco para ela. Ela sentiu falta do seu livro, mas como não pensou vir a precisar dele, tinha-o deixado em casa.


Finalmente, ele pareceu aperceber-se realmente da sua presença e, afastando o jornal, perguntou-lhe com um sorriso divertido: "Porque vieste?". Era pergunta para a qual ela não tinha resposta óbvia e limitou-se a responder-lhe: "Porque gostei de ti". Ele pareceu satisfeito com a resposta descontraída dela.


"Ainda bem. Eu também gostei de ti", acrescentou ele, depois duns segundos de silêncio. "Amanhá, cá te espero", disse, acercando-se dela e beijando-a levemente junto à boca. "Não faltes", e foi-se embora depois de pagar.





Part II


Viu-a assim que ela entrou no bar. O seu magnetismo prendeu-o logo e seguiu-a com o olhar, vendo-a sentar e puxar do seu livro e maço de cigarros. O brilho que emanava encadeava-o, as suas formas transportaram-no e imaginou-se imediatamente a possui-la na casa-de-banho daquele bar. Sentiu o seu cheiro e sentiu-se zonzo. Não conseguia parar de olhá-la e de lhe sorrir.


Finalmente ela reparou nele. Quando ela lhe sorriu, as pernas dele aproximaram-se dela sem que o cérebro soubesse o que estava a fazer. Deixou-se guiar pelo impulso e pelo desejo de a sentir perto, de ouvir a voz dela, de a fazer sentir-se viva. A música po-la a tocar pela súbita vontade de a ver dançar. Voltou a sentir o cérebro e as emoções toldarem-se enquanto a imaginava dançando para ela por entre o fumo do bar escuro. Imaginava-se esticando a mão para ela, sem coragem de lhe tocar, para não interferir na beleza do que contemplava.


Foi por isso que se manteve em silêncio durante tanto tempo. Viajava pelo mundo dela e descobria o que julgara não existir. Agarrou-se ao jornal quando sentiu o desconforto dela, tentado decidir o que fazer e sorrindo simultaneamente pelo que a presença dela estimulara a sua criatividade. Agarrou no guardanapo, escrevinhou aquilo à pressa e decidiu que no dia seguinte saberia o que fazer. Ela voltaria. Sabia que a curiosidade a traria de volta.


No dia seguinte, quando a viu entrar, as palavras planeadas fugiram-lhe, os gestos sentidos retraíram-se. Sentiu-a nervosa. Fê-la sentar mas foi incapaz de lhe falar. Finalmente, ouviu-se dizer: "Porque vieste?", e logo pensou: "Parvo, parvo... mil vezes parvo". Ela pareceu não ter estranhado a pergunta e respondera com naturalidade que tinha gostado dele. O seu coração saltou descontroladamente de contentamento pela sua resposta. Apeteceu-lhe voar e rir e dançar. Levantou-se e num ímpeto louco, beijou-a como se tivesse acabado de ter a certeza que ela era dele. Como se nada mais importasse. Disse-lhe qualquer coisa acerca de se encontrarem ali no dia seguinte e foi sonhar com ela para o seu quarto alugado à pouco numa pensão ali perto.


No dia seguinte ela não veio. Nem no outro. Durante o que lhe pareceu muito tempo, ela não veio, mas ele esperava-a todos os dias.


Ao fim duma semana ela voltou a assumar à porta, feliz, irradiando aquela sua luz própria e enchendo o seu coração de alegria por vê-la e mágoa por ter demorado tanto. Ela beijou-o, sentou-se sorridente e disse: "Vim, porque finalmente compreendi". Ela compreendera. Compreendera o seu desejo, a sua confusão, a sua vontade de fazer dela dele, de a levar e deixar-se levar, de a amar ferozmente como se o amanhã não fosse mais que uma ilusão e, ao mesmo tempo, nem lhe tocar. Como tocar algo tão belo sem estragar, sem que a sua luz perdesse o brilho, sem que o seu gesto a magoasse? Como fazer mais do que olhá-la simplesmente? Se falasse, se se deixasse conhecer, ela poderia fugir.


Ela deu-lhe a mão, puxou-a levemente para si, beijou-a, acercou-se do seu ouvido e murmurou-lhe um "vamos".Saíram à pressa, ela puxando-o, ele atrás dela parecendo ainda confuso. Ansiava pelo momento em que ela o deixaria sem fôlego.




Part III



Ela puxou-o suavemente atrás de si. Mostrou-lhe os caminhos e as ruas. Atravessaram o jardim, onde as crianças deitavam milho aos pombos e depois corriam fazendo-os esvoaçar. Seguiram pela avenida e depois ela parou, apontando com o sorriso para o número na porta do prédio.


Entraram no seu apartamento com mezzanine, decorado ao estilo minimalista, com janelas estreitas e altas e simples cortinados brancos que tocavam um pouco o chão de tábuas de madeira tom de chocolate. Da sala/kitchette subiam umas escada em caracol que levavam ao quarto. Foi por onde ela o levou.


Beijou-o longamente, fez com que as mãos dele passeassem por todo o seu corpo, tomaram banho juntos. Na cama, com vagar, a língua dela descobriu o seu corpo por inteiro. Fariam amor assim, só com o olhar e as mãos; sem penetração, sem saciação completa. Deixando vontade para o amanhã. Queria enlouquecê-lo, deixá-lo cego e surdo e mudo de desejo.


Quando chegou ao ponto que queria, sussurou-lhe: "Amanhã não irei àquele bar. Agora tenho um compromisso. Vou demorar. Se quiseres, podes ficar mais um bocado. Quando saires, bate a porta".


Assim que bateu com a porta ao sair, sentiu uma leve tontura e, ao invés de descer as escadas, subiu um lance e sentou-se num degrau onde ele não a poderia ver quando decidisse ir embora. Sentia-se confusa, meio perdida. Não percebia porque tinha feito aquilo. Tinha-lhe apetecido. Tinha-lhe dado na real gana. Mas estaria a interferir demais com o destino? Estava a uni-los mais do que desejava a princípio. O que devia ter sido uma hora bem passada estava a tornar-se denso, com uma aura de mistério e umas promessas implícitas. Uma espécie de compromisso descomprometido. Mas sempre com a promessa de um amanhã, de um futuro, por mais bizarro que fosse. Brincava com as emoções dele e brincava com as suas próprias emoções. Não parava de pensar nele, nem em o que fazer com ele em seguida de forma a prendê-lo mais a ela. Queria o preso, bem amarrado. Não lhe passava pela cabeça não haver algo mais. A empatia fora imediata. Ambos o tinham sentido. Iria ser especial, inesquecível, determinante. Poderia mudá-los para sempre.


Ele permaneceu no seu apartamento bastante tempo ainda. Ouviu música através das paredes. Estava a conhecê-la pelo seu mundo. Estava a mexer nos cd's, olhando os filmes e os livros que possuía, cheirando os seus perfumes, tocando nas suas roupas. Abriu o frigorífico apercebendo-se de que não cozinhava. Observou os pratos, os copos, os talheres, o vinho que guardava para ocasiões especiais. Tomou um duche com o seu gel de banho predilecto, aquele que deixava a pele a cheirar a bebé. Usou o seu champô, reparou na marca do amaciador. Observou as flores nas jarras. Tudo antes de se resolver a vestir-se e a sair do mundo dela, onde tudo, mesmo o objecto mais vulgar tomava contornos de descobertas fantásticas acerca da personalidade da pessoa que o habitava. O que o havia intrigado mais, era o mural de árvore japonesa em flor, pintado a rosa velho num canto do quarto, sobre o fundo negro das paredes. No chão, umas almofadas pintadas à mão, provavelmente por ela, em cetim rosa velho com árvores japonesas a negro e um livro aberto em cima, com algumas passagens sublinhadas a carvão. Só no fim de ter absorvido tudo quanto os seus sentidos lhe permitiam é que saiu, fechando a porta atrás de si sem fazer barulho.

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Passaram-se três dias sem notícias dele e ela não teve outro remédio senão voltar ao pub à procura dele. Levava no bolso uma chave do seu apartamento para ele. Não queria ter que voltar ali para o ver. Queria que ele fosse ter com ela sempre que lho apetecesse. Queria senti-lo a afundar-se com ela no seu sofá, na sua cama. Desejava-o cada vez mais. Queria transformar aquela sua febre em paixão carnal, até se fartar de o ter, até não o querer mais. Ele não estava no pub. Deixou a chave dentro dum envelope à empregada que prometeu entregar-lha assim que o visse, mas acrescentou que havia já uns dias que ele ali não vinha.

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Part IV

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No seu triste quarto de pensão, ele fazia as malas. Durante quatro dias não tinha pensado noutra coisa senão nela. Não tinha ido trabalhar, só tinha saído do quarto para comprar tabaco. Tentara distrair-se com a televisão, com um livro, mas nada entretinha a sua mente o suficiente. Estava a apaixonar-me irremediavelmente por alguém de um mundo diferente, completamente novo. Ela era linda, educada, polida, elegante... provavelmente teria dinheiro, bastante até. Ele era um miserável trabalhador da construção civil que tentava a sua sorte na cidade grande, sem estudos, sem dinheiro, sem nada de extraordinário a oferecer que não fosse ele próprio. Ela era o género de pessoa que necessita de mais, de muito mais para manter a paixão. Ela tinha visto o mundo, ele tinha visto a rua dele e as estradas que o tinham levado da Beira até ali. Durante aqueles dias em que a esperava no bar, tinha sido feliz. Quando ela o agarrara pela mão e o levara, proporcionara-lhe a melhor tarde da vida dele, mas quando o deixara sozinho na sua casa, fazendo aquele jogo tão arriscado, ele percebeu que era demais para ele. Mantivera-se lá porque queria absorver tudo o que a rodeava. Queria memorizar com a sua memória fotográfica o sítio de todas as suas coisas. Queria sentir para sempre o seu cheiro. Queria lembrar-se de todas as suas curvas e de todos os caminhos turtuosos da sua mente. Que mente sensual e cativante era a dela... Mas soube logo que não iriam longe. Que não seria sua. Não totalmente. Uma mulher assim não se entrega. Muito menos a um parolo qualquer.

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Acabou de fazer a mala e já com o bilhete e a mala às costas, pagou o que restava pagar na recepção. Entrou no autocarro que o levaria de volta a casa, à sua casa. No percurso, o autocarro passou pelo jardim que havia atravessado com ela e viu-se de novo atravessando-o juntos. Enquanto o autocarro subia a rua em direcção à via-rápida que o levaria dali para fora, secou a lágrima que teimava em assomar-lhe à vista.




(to be continued)